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segunda-feira, 10 de janeiro de 2011
Entrevista ao Jornal Tribuna de Minas
Reprodução da Matéria:
'O embrião merece um estatuto elaborado'
Tema polêmico que direcionou discussões durante a campanha presidencial de outubro, o aborto envolve o direito à vida e, por isso, recebe diferentes tratamentos da Igreja, do Estado e das instituições científicas. No entanto, antes de se formar o feto no útero de uma mulher grávida, a fecundação dá origem ao embrião, um aglomerado de células responsável por gerar a vida humana. Assim como o aborto, os direitos que garantem a integridade do embrião e as questões éticas que envolvem a pesquisa na área passaram a ser debatidos no mundo todo. Nos últimos anos, muito se discute a respeito da criação de embriões humanos em laboratório para uso em pesquisas, clonagem, comercialização e diagnóstico genético pré-implantatório (escolher as características de uma criança selecionando a sua carga genética). Essas questões ainda não estão regulamentadas e não há consenso entre os países sobre como discipliná-las.
Com o objetivo de propor normas jurídicas, a advogada de Juiz de Fora Christina Féo acaba de lançar o livro "Um estatuto para o embrião humano", no qual apresenta uma abordagem ainda não explorada pelos estudiosos. Mestre em bioética pela Universidade Católica Portuguesa e especialista em biossegurança e em direito da medicina, Christina aponta a existência de um estatuto subentendido do embrião. Com base na análise da lei de diversos países, a advogada discute se deve haver diferença no tratamento do embrião "in vitro" (produzido em laboratório) e do embrião "in uterus"; apresenta pontos convergentes e divergentes sobre os direitos do embrião; e trata de questões éticas, filosóficas, teológicas e médicas. Nesta entrevista à Tribuna, Christina indica os atrasos na legislação brasileira ao lidar com o tema, fala sobre o uso de células-tronco embrionárias e mostra como o país pode avançar juridicamente na questão. "Precisamos provocar o Congresso para que ele tire da gaveta o projeto de lei sobre reprodução humana assistida."
Tribuna - Como a atual legislação brasileira lida com a questão dos direitos do embrião?
Christina Féo - O Brasil não possui uma legislação específica sobre o embrião humano. A lei de biossegurança (Lei 11.105/2005) foi um grande passo em nossa legislação, pois, através dela, permitiu-se a realização de pesquisas em células-tronco embrionárias e estabeleceram-se alguns limites (como a proibição de engenharia genética em célula germinal humana, zigoto ou embrião humano; a proibição da comercialização de células-tronco e etc.). Apesar da importância desses artigos, entendo que o embrião humano merece um estatuto próprio e cuidadosamente elaborado - onde se estabeleça conceito (inclusive se células clonadas ou se as células-tronco embrionárias podem ser tratadas por "embrião"), no qual se explicite que proteção se dará para o embrião "in vitro" e para o embrião "in uterus", onde seja regulamentada a seleção de embriões, a doação, os direitos do embrião (até onde vai sua proteção enquanto congelado, a adoção embrionária, a ação de perfilhação e possíveis direitos patrimoniais), e inúmeras outras questões importantes que tocam o embrião. É verdade que o Conselho Federal de Medicina, quando adotou normas técnicas para a Reprodução Assistida (Parecer 1.358/92), e em seu novo Código de Ética Médica (Resolução 1.931/09), tocou em importantes questões sobre embrião, mas essas regras de conduta profissional não têm força jurídica. Os projetos de lei sobre procriação assistida estão engavetados no Congresso. O Código Civil ainda é tímido: põe a salvo os direitos do nascituro e trata da filiação por fecundação "in vitro". O Código Penal pune o aborto - mas a valoração da vida é explicitamente distinta (a pena para o aborto é menor que a pena para o infanticídio, que é menor que a pena para o homicídio). A Constituição Federal garante o direito à vida, mas sabemos que nem mesmo este direito é absoluto. Precisamos de um estatuto específico para o embrião humano.
Tribuna - Há diferença de tratamento entre o embrião "in vitro" e o embrião "in uterus"?
Christina Féo - Sim. Embora não tenhamos legislação específica para o embrião, observamos que o próprio direito penal valoriza a vida humana de forma gradativa. Na minha opinião, o embrião humano deverá estar protegido juridicamente (e seu direito à vida conservado), quando ele for portador de um projeto parental, isto é, é preciso haver alguém que o queira implantar. Vários países se posicionam assim e vinculam a existência do embrião à existência de um projeto parental. Para mim, quando os "donos biológicos" já não querem o seu embrião, deveriam tentar uma doação embrionária para casais com problemas de fertilidade. Mas nem sempre isto é possível. Então, nesse caso, por falta de um projeto familiar, ao invés de ser simplesmente destruído, sou favorável à sua destinação para pesquisas. O Estado não pode obrigar uma mulher a implantar compulsoriamente um embrião em seu útero. Conforme a Constituição Federal, ele não pode interferir no planejamento familiar. Por este prisma, concluímos que o destino do embrião cabe à mulher, sua "dona biológica", e sua liberdade procriativa está acima do direito à vida do embrião. A Lei de Biossegurança estabelece que o consentimento deve ser dos genitores (no plural). Eu não concordo. Reafirmo que a decisão é da mulher. Se o embrião tiver alguém que o queira, que seja implantado por este alguém. Se o pai biológico não o quiser (por perder o interesse no projeto parental), que o dê em adoção àquela mulher que o deseja implantar. Mas isto não existe ainda por aqui, por falta de legislação sobre o tema.
Tribuna - É possível chegar a um consenso sobre o uso de células-tronco embrionárias?
Christina Féo - Essa questão não toca o direito, mas a moralidade. O consenso é utópico. Não existe posicionamento neutro. Cada indivíduo forma seu convencimento de acordo com sua própria ética, crença e convicção. Não existe possibilidade de um consenso moral entre pessoas com moralidades distintas. A criação de um estatuto legal é possível, mas um estatuto moral, não.
Tribuna - Como o direito trata atualmente a questão do uso de células-tronco embrionárias no Brasil?
Christina Féo - A lei de biossegurança permite a utilização de células-tronco embrionárias para pesquisa, e esta pode ser realizada sobre embriões inviáveis ou aqueles embriões congelados há mais de três anos, tendo em qualquer caso a obrigatoriedade de autorização dos genitores. Os genitores, através desta lei, se tornam os donos biológicos do embrião, e têm o direito de escolher o seu destino. A comercialização de células-tronco embrionárias, a clonagem e a engenharia genética estão proibidas. Já existem no país bancos de estocagem de células-tronco (obtidas do sangue retirado da placenta e do cordão umbilical). No Instituto Nacional do Câncer temos um exemplo de banco público. O Governo federal tem investido em laboratórios de oito universidades no Brasil com o objetivo de transformá-los em Centros de Tecnologia Celular. Um exemplo é a criação do Centro de Tecnologia para Terapia Celular no Paraná. Criou ainda um Laboratório Nacional de Células-tronco (LaNCE) - parceria entre UFRJ e USP - onde poderão ser criadas milhões de células pluripotentes e onde pretendem disponibilizar células-tronco para a comunidade científica de forma gratuita. O Departamento de Ciências e Tecnologias aprovou a liberação de R$ 21 milhões para investimento no LaNCE. Visa-se ainda a criação de uma rede nacional de terapia celular. Todas essas iniciativas, entre outras, são muito significativas para pesquisas nacionais nesta área e desenvolvimento científico. Sabemos que há ainda muito para se fazer, mas acho que passos muito importantes estão sendo dados.
Tribuna - A lei já permite que o material produzido por meio de células-tronco seja comercializado?
Christina Féo - A lei de biossegurança proíbe a comercialização de células-tronco embrionárias, mas não fala claramente do embrião propriamente dito, embora acredite que o espírito da lei seja este. A Convenção sobre os Direitos do Homem e a Biomedicina (art. 21º) estabelece que o corpo humano e suas partes não podem ser fonte de lucro. Esta convenção foi assinada e ratificada por dezenas de países. Há um entendimento global convergente a este respeito, embora não seja absoluto.
Tribuna - Que países estão mais avançados na discussão jurídica dessa questão? Em que pontos o Brasil precisa avançar?
Christina Féo - Existem vários países que legislaram questões importantes sobre o embrião humano - seja através de uma lei específica para o embrião (exemplo da Alemanha) ou através de uma lei de reprodução assistida (Portugal, Espanha, Dinamarca, Reino Unido, Canadá, Bélgica, Itália, entre outros). Estes países regulamentaram questões importantes e estão mais avançados porque possuem uma legislação concreta. Nós precisamos provocar o Congresso para que ele tire da gaveta o projeto de lei sobre reprodução humana assistida! Existem inúmeras clínicas de procriação medicamente assistida no Brasil e suas práticas necessitam de uma regulamentação legal específica. Códigos de conduta não são o suficiente. A Lei de Biossegurança é deficiente, além de não ser o mandamento adequado para tratar da questão.
Tribuna de Minas
Juiz de Fora, 09 de janeiro de 2011
Ano XXX- nº 5550
http://www.tribunademinas.com.br/
Observação: Esta entrevista foi concedida nas últimas semanas de dezembro de 2010 e publicada pelo Tribuna em janeiro.
Acaba de ser publicada (no D.O.U. de 06 de janeiro de 2010, Seção I, p.79) a RESOLUÇÃO CFM nº 1.957/2010 - que revoga e substitui a Resolução 1358/92 e estabelece
NORMAS ÉTICAS PARA A UTILIZAÇÃO DAS TÉCNICAS DE REPRODUÇÃO ASSISTIDA. A resolução entretanto não tem força de lei.
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Minha amiga vc esta de Parabéns com a Matéria, como sempre excelente em tudo que faz.
ResponderExcluirAmo vc.
Bjos